Chove chuva

Nos acostumamos a atribuir a dias de chuva a pecha de chatos e modorrentos, já que o contrário são dias de sol, calor, pouca roupa, diversão, sensualidade... Não nos preparamos para dias assim, apesar do fenômeno meteorológico ser parte integrante de nossas vidas. Mesmo assim, teimamos em atribuir ao fato conotação negativa. Dia de chuva é chato, e não se fala mais nisso...
Ao contrário dos que vivem no campo, nós, cidadãos urbanos não aceitamos a chuva em nossas vidas, e moldamos nosso habitat como a esperar sol todos os dias do ano. Asfaltamos ruas, cimentamos jardins e parques, derrubamos árvores, e aos prédios que erguemos chamamos de progresso.
Ao primeiro pingo de água, o desastre... A cidade despreparada se revolta, o trânsito fica caótico, as enchentes, óbvias e inevitáveis, brotam com fúria e, ao invés de refletir, reforçamos nossa certeza insana de que chuva é chato... Pois é, chuva é chato porque escancara nossa imprevidência, escancara nossa fragilidade e nos mostra o quanto desaprendemos a língua da natureza.
Mesmo assim a maioria de nós vive um estilo de vida que alardeia a ilusão de eternos verões, de intermináveis e contínuos fins-de-semana, conformando um estilo de vida em que o sedentarismo é rotina e a indolência e o ócio a nossa triste sina...
A chuva é chata porque destrói nossa frágil e ilusória comodidade, e nos mostra o quanto somos falíveis. Não há verão sem nuvens, não há dia sem noite, não há prazer sem sofrimento. Mas quando se trata de chuva, a gente insiste em ser maniqueísta...
A chuva bem que poderia ser uma resposta da natureza à nossa indolência, um alerta poético de que esquecemos nossas origens. Mas não somos tão importantes assim... A chuva cai apesar de nosso egoísmo, assim como a vida segue, por mais que teimemos em acreditar que ainda somos o centro do universo.
A chuva, quando muito, é uma singela e purificadora maneira de nos mostrar o tamanho de nossa pequenez.

Alexandre Pelegi