Onde vamos parar?

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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Noel Rosa

Noel de Medeiros Rosa nasceu em 11 de dezembro de 1910, em Vila Isabel, berço do samba carioca

Sua mãe, dona Marta, teve problemas no parto. O médico precisou usar fórceps e afundou o maxilar de Noel, que viria a ser um homem magro e fraco porque tinha dificuldades para mastigar. Ganhou o apelido de “Queixinho” na escola, o que nunca se tornou um trauma; pelo contrário, acabou se tornando um adulto irônico e debochado. Além do problema no queixo, tinha a voz fanhosa, o que também não o impediu de cantar e ser o sambista de maior sucesso de sua época no Rio.

Noel Rosa aprendeu bandolim com a mãe, Martha, e foi introduzido ao violão pelo pai, Manuel de Medeiros rosa. Mas se tornou mesmo autodidata. Suas primeiras experiências criativas foram paródias pornográficas, feitas no tempo do colégio São Bento, sobre melodias de canções conhecidas na época. Adolescente, não tardou a começar a freqüentar bordéis e pensões de mulheres. Nem a cair na boemia. Usava o violão do pai, até que ganhou um, de um tio.

Mais ligado na música que nos estudos, Noel era na escola um aluno irreverente com os professores. Em Vila Isabel - celeiro de músicos - participava de serenatas e logo ficou conhecido como bom acompanhante ao violão. Em 1929, um grupo amador de jovens músicos, a maioria da Tijuca, o procurou: Almirante, Braguinha (adotará mais tarde o pseudônimo João de Barro), Henrique Brito e Alvinho. O primeiro samba, “Com que roupa?”, nasceu ainda naquele ano.

Transformou-se no grande sucesso do carnaval de 1931. Com isso, Noel teve que fazer sua primeira grande escolha: a medicina (era aluno do primeiro ano) ou o samba. Escolheu o samba!

O repertório do conjunto se compôs de cantigas de inspiração nordestina, de acordo com a moda do momento. Noel seguiu por essa trilha em suas primeiras composições, a toada "festa no céu" e a embolada "minha viola". Em 1929, ele as gravou, estreando em disco como solista. No bando, não tinha destaque como cantor e compositor.

Mas suas primeiras apresentações em público - em festas em casas, teatros e clubes - aconteceram com os Tangarás.
Em 1932, Noel Rosa comprou um Chevrolet de Francisco Alves, então o maior nome da música popular do país, e lhe deu o nome de Pavão. O cantor era um conhecido comprador (um "comprositor") de canções alheias, daí ele e o compositor terem combinado um pagamento em sambas.

Figura popular, suas músicas falavam de seu bairro, seus amores, seus desafetos, suas piadas.
Noel já iniciara seu trabalho com Ismael Silva, sambista do Estácio que se tornaria o seu parceiro mais constante. Ismael tinha um trato com Chico Alves, pelo qual este levava crédito em tudo que compunha.
A combinação se estendeu à dupla Noel-Ismael, cujos sambas também receberam a assinatura de Chico, a começar por "Adeus", de 1931, e "Para me livrar do mal" e "A razão dá-se a quem tem", de 1932. Chico lançou os três, o terceiro em duo com Mário Reis.
O ano de 1932 foi o de maior produção na carreira de Noel: mais de quarenta composições. Ficou marcado também por importantes gravações.

Ele próprio registrou "São coisas nossas", "Quem dá mais" e "Coração". E, com Ismael, "Seu Jacinto" e "Quem não dança". Chico e Mário voltaram a gravar em dupla: "Fita amarela". João Petra de Barros lançou outro clássico: "Até amanhã".

Em abril, Noel fez com Chico e Mário Reis uma bem-sucedida turnê pelo Rio Grande do Sul. E em agosto, uma temporada num cine-teatro da Cinelândia, no rio, com Chico, Almirante e Carmen Miranda; mais da metade do repertório do show era de sua autoria. Em 1933, ele gravou os sambas "Onde está a honestidade?" e, composto com Orestes Barbosa, "positivismo", que solidificou uma amizade nutrida em encontros no Café Nice, no centro do Rio, um point da boemia da época. Foi também nessa fase que ele conheceu o pianista paulista Vadico, no estúdio da Odeon. Os dois iniciaram de imediato uma parceria que veio a ser tão produtiva (onze músicas) quanto inventiva (várias delas antológicas).

Naquele ano, por exemplo, rendeu "Feitio de oração" e "Não tem tradução", ambas gravadas por Francisco Alves - a primeira, com Castro Barbosa.

Ainda em 1933, foram lançados, por Mário Reis, "Quando o samba acabou" e "Filosofia" (parceria com André Filho), e por Almirante, "O orvalho vem caindo". Todos clássicos.

No início de 1934, Noel Rosa compôs "Rapaz folgado", uma resposta a "lenço no pescoço", do então jovem sambista Wilson Batista. Começou assim uma polêmica que se tornaria célebre e que renderia uma série de sambas. em sua música, Noel, estranhamente, criticava o malandro cantado por Wilson - logo ele, um apologista da malandragem. no fundo, o que havia, porém, era uma rixa por causa da mulher: Wilson tinha roubado uma namorada dele.
Noel levava uma complicada vida amorosa, com vários casos sucessivos ou mesmo simultâneos. Mantinha um namoro bem-comportado com Clara. e outro, mais quente, com Fina, a quem levava para passeios noturnos, em locais distantes e desertos, de carro. a mesma coisa passou a fazer com Lindaura.

Em março e abril de 1934, ele participou de uma turnê com o grupo gente do morro, liderado pelo flautista Benedito Lacerda, pelo norte do estado do Rio de Janeiro e espírito santo. A excursão não deu lucro. No final, a maioria dos músicos voltou fugida de uma pensão em Vitória, sem pagar a conta. Noel, vivendo um romance com uma moça, ficou por lá. Sua mãe teve de ir buscá-lo, para que voltasse.
Já no rio, em 23 de junho, numa festa de São João em sua homenagem no Cabaré Apollo, ele conheceu Ceci, que em breve se tornaria bailarina e namorada dele. Mais que isso: sua maior paixão e musa.

Em 1934, João Petra de Barros gravou duas pérolas noelinas: "Feitiço da vila", composta com Vadico, e "Linda pequena", em parceria com João de Barro. A primeira não demorou para virar um clássico. A segunda só seria lançada um ano depois, sem obter maior repercussão. Apenas em 1937, reintitulada "Pastorinhas" e cantada por Silvio Caldas, ela iria estourar, transformando-se numa das peças mais populares de todos os tempos da música brasileira.

No campo artístico, Noel aprofundava então relações com Marília Baptista (bem-comportada, de classe média) e Aracy de Almeida (boêmia, pobre, do subúrbio). As duas viriam a ser as suas maiores intérpretes.
Em 1934, Noel fez constantes apresentações em emissoras de rádio e em cinemas. Numa delas, no Cine Grajaú, muito magro, ele desmaiou em palco. Foi hospitalizado em decorrência de uma tuberculose; na época uma doença difícil de se curar.

A família decidiu que ele fosse para uma cidade de clima bom. Noel queria levar Lindaura para cuidar dele. Sua mãe o obrigou então a se casar com ela - o que aconteceu em dezembro. O casal foi para Belo Horizonte. Lá ele não abandonou a noite de todo; acabou conhecendo a boemia local.
Tuberculose contida, mas não curada, mais gordo, ele voltou em abril de 1935 para o Rio - e para Ceci. Alugou um quarto mobiliado para os dois. Foi nessa época que o pai de Noel se enforcou num quarto da casa de saúde da Gávea. Tinha 54 anos e estava internado no hospício havia meses.


Uma maratona de recitais ocupava grande parte do tempo do artista. Além disso, Noel trabalhava em quatro estações de rádio. Cantava, contava piadas, participava de desafios - que sempre vencia -, escrevia textos publicitários, atuava até como contra-regra. E criava paródias engraçadíssimas.


À base de paródias de canções populares do período, ele fez, à época, duas "Revistas Radiofônicas" (ou "Óperas Bufas Cariocas", na expressão de Almirante): "O barbeiro de Niterói" e "Ladrão de galinha". Além disso, com o pianista e regente húngaro Arnold Gluckmann, escreveu a opereta "A noiva do condutor". Nenhum desses trabalhos foi ao ar. O último teve de esperar meio século para ser conhecido.

Em 1935, Noel acrescentou uma nova série de "standards" à sua obra. Dois foram gravados por ele mesmo, "João Ninguém" e "Conversa de botequim". Outros três saíram no registro de Aracy de Almeida, que se firmava como intérprete representativa do compositor: "Triste cuíca", "O X do problema" e "Palpite infeliz".

E este se constituiu no contra-ataque mortal, definitivo, desferido por Noel em Wilson Batista, na polêmica poético-musical que travaram. Janeiro de 1936 assistiu à estréia do filme "Alô, alô, carnaval", o primeiro musical a utilizar canções de Noel Rosa. Eram duas marchas: uma composta com Hervê Cordovil, "Não resta a menor dúvida", interpretada pelo bando da lua; outra, "Pierrot apaixonado", com Heitor dos Prazeres, cantada pela dupla Joel e Gaúcho. Esta e "Palpite infeliz" já eram sucesso e seriam destaques no carnaval seguinte, que teve em Noel o compositor campeão, com mais sete músicas pontuando.


Apesar do sucesso, porém, pouco a pouco o sambista foi mostrando sintomas de desinteresse pela vida, como um crescente descuido com a aparência e com a saúde. Como não abandonava a boemia, as gripes se tornaram freqüentes, acompanhadas de febre alta. Também foi se tornando cada vez menos profissional, atrasando-se para os compromissos.

Aquele ano - 1936 - acabou sendo a sua fase de menor produção: não chegaram a vinte as músicas que fez. Parte delas teve novo endereço cinematográfico: o bem-sucedido "Cidade mulher", filme de Humberto Mauro. De Noel, na trilha ressaltavam "dama do cabaré" e a canção-título, ambas na voz de Orlando Silva, mais "Tarzan, o filho do alfaiate" (outra parceria com Vadico), com José Vieira.


Nessa época, Lindaura engravidou, mas acabou perdendo o filho após cair da goiabeira do quintal da casa da mãe de Noel. Ceci - que já tinha tido um caso com Wilson Batista - estava namorando com Mário Lago.

No carnaval de 1937, Noel fez sucesso com "Quem ri melhor", gravado por ele e Marília Batista. Cada vez mais doente, chegou a sair, mas já não brincava. Em abril, passou com a mulher três semanas em Friburgo. Em seguida, alguns dias em Piraí. Voltou muito mal; era o fim. No mesmo quarto em que viera ao mundo, 26 anos antes, morreu no dia 4 de maio, deixando mais de 100 músicas nas quais “exaltava a vadiagem e seus amores, fazendo da pobreza poesia e de Vila Isabel um reduto do samba”.


Um enterro concorrido aconteceu em Vila Isabel, ao qual compareceu parte significativa do mundo do samba carioca. Foi grande a repercussão na imprensa: Noel era uma figura popular.

Pouco depois Aracy de Almeida lançava "Último desejo", e Silvio Caldas, "Pastorinhas". Dois estouros. De 1937 a 1950, Noel seria pouco gravado. No começo dos anos 50, iniciou-se um revival de sua obra, puxado por Aracy, que fez então muitos shows e três discos cantando-o (o primeiro, com capa de Di Cavalcanti, e todos com arranjos de Radamés Gnatalli). Marília Batista também o regravou (mais tarde faria um álbum duplo com músicas dele). E Almirante criou um programa de rádio de muito sucesso, "No tempo de Noel Rosa", que durou cinco meses em 1952.

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